sexta-feira, 6 de março de 2009

A esfiha que eu nunca comi.

Já anoitecia e eu estava realmente com muita fome,mas tinha visto que não havia a esfiha que eu queria e fui voltando para entregar o dinheiro para minha mãe e me consolando em comer algo em casa mesmo.
Quando vi, minha mãe conversava com uma mulher que era linda,porém sofrida.Dava para ver marcas no rosto dela,rosto claro, cabelos loiros.Ela vendia panos de prato e pedia para minha mãe comprar "pelo menos pra ajudar, Dona", ao mesmo tempo em que essa cena acontecia,vi uma criança que estava com ela, bonita igual, puxando a roupa de um dos fregueses da casa de esfihas e pedindo repetidamente "me dá um salgado, me dá um salgado". Eu vi que deram para ela, mas a outra que vinha, sua irmã, entrou desesperadamente na lanchonete e já foi dizendo que também sentia fome.
Sem pensar muito, eu fui buscar aqueles olhos quase claros e brilhantes de mãozinhas pequeninas e sujas e perguntei-lhe se queria um salgado também.A resposta foi óbvia, levei-lhe a bonita vitrine de salgados e falei que ela podia escolher.Depois de muita indecisão, ela escolheu um kibe, mas disse assim:
-Tia, me paga um "Garaná" também?
-Pago sim!
-Mas não pode ser gelado, tá?
-Tá,... ele está na geladeira,mas como você pediu o lanche pra levar, até você chegar em casa já perdeu o gelo!
-Não tia, tem que ser sem gelo, tem que ser sem gelo, tem que ser sem gelo!
-Tá bom, fique calma, vai ser sem gelo!
Em poucos segundos meu cérebro foi a mil, aqueles olhos, a pequenina boquinha, a quantidade de panos de prato em suas mãos, o desespero da fome...
Eu dei a bebida e a comida para a pequena, paguei e fui embora com a minha mãe.Senti meu estômago cheio, sentia meu rosto molhado em lágrimas,não tinha voz e não tinha fome.
Aquele salgado que eu deixei de comer porque não tinha do meu gosto e dei a menina me alimentou pelo resto da noite.
Seus olhos se tornaram os meus, suas mãos as minhas, e seu estômago vazio de fome o meu .

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