sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Compaixão

Eu já acordei cansada, mas saí cedo. No vagão, eu sempre escolho alguém pra observar e imaginar sua história, mil perdões, cada um com suas manias. Enfim, no vagão eu sempre escolho alguém mas eu não tive muita escolha, tinha uma mulher gorda na minha frente que me chamava a atenção. Não era nem tão gorda assim, nem tão feia, mas estranha, com qualquer urgência na cara. Eu sei que fiquei olhando muito seus traços, porque os olhos pareciam inchados, e imaginei então quando acordasse, fosse eu o marido - ela tinha aliança - e eu levava um susto, coitada. Eu tive pena, tenho muita pena em meu coração, juro. Sou uma pessoa muito dotada de compaixão, por tudo e por todos, chego a ter vontade de chorar. Olhei os seus cabelos crespos desde a raiz, a gordura, os olhos esbugalhados, empapuçados, que percebi não ser inchaço. Pensei se tinha conserto, tomei pelo coração, peguei compaixão na figura. Deixei que ela saltasse na Carioca.
Voltando eu já estava cansada. 12h fora de casa, sexta-feira tem trânsito demais. Eu sentada sozinha com fones e roendo as unhas. Entra a mulher que senta ao meu lado: A gorda da manhã. Eu levei um susto, fiquei algum tempo olhando pra ela. É muita coincidência pra uma Capital. Eu fui indiscreta, fiquei olhando muito de perto, como quem investiga. E começou a tocar uma música do Caetano que me aperta o coração. A música não diz nada de triste, mas sempre me fez pra choro desde a primeira vez que ouvi e senti dor. Começou a tocar, a mulher da manhã do meu lado. Eu sofri muito. Eu queria contar pra ela, lembrar e rir do nosso reencontro. Queria saber como havia sido o dia dela, contar do meu. Contar que eu havia perdido o celular e já havia achado, que havia brigado com meu namorado e já feito as pazes, que tinha me emocionado com um colega do trabalho, que a faculdade andava um saco. E a música não parava de tocar, eu fechava e abria os olhos, um dia ruim, ontem também, ela não me olhava. Eu sofri a música, eu sofri toda a superficialidade a distância e a frieza. Eu chorei todinha por dentro de tanta dor. Eu sofri a Capital do Rio de Janeiro. Eu sofri da Carioca a Cardeal Arcoverde. Sofri a mulher não me dar atenção, a morte do meu vizinho de lado em suícidio. Eu não consigo me lembrar dele e isso ainda me dói. Ainda sofrendo eu me levantei pra ir embora e quando olhei sem querer pro rosto da gorda ela me olhava e sorria pra mim. Ela me reconheceu. A gorda de manhã me reconheceu. Ela levantou a sobracelha e eu li qualquer coisa na sua cara de simpatia. Eu estava mais tranquila agora. Voltava a acreditar na capacidade de se aprofundar das pessoas. Mas eu não contei meu dia.

domingo, 6 de novembro de 2011

Planeta

Depois eu falei pra ela que não devia ser por conta do inferno astral, porque estávamos em novembro e eu fazia anos só em fevereiro. Naquela noite eu tava pra acreditar em astros, fazia parte do papo. Acho que era por conta da música. Começou a tocar Caetano. Na verdade começou com Chico, eu comecei. Eu disse que de uns anos pra cá, desde que eu havia me apaixonado pelo Caetano, acabei deixando o Chico "num fundo de armário, na porta restante milênios, milênios no ar" , ela riu. Eu tava tentando selar qualquer tipo de paz entre mim e o Chico, a música dele, voltar, renovar votos, essas coisas.
Acho que começou então por conta da música, eu não tinha bebido. Começou com Chico, então, Caetano, Mutantes, e eu tive que soltar a minha frase de efeito de sempre: Eu queria ser a Rita Lee nesse tempo. O que é uma bobeira porque eu, que tenho medo até de tomar ônibus à noite, ia lá mesmo tomar ácido naquele tempo?
Mas aí vem a melancolia de sempre. Uma coisa que eu sinto nessas épocas em que me fixo muito nas coisas dessa época. Os sessenta. 67, 68. Depois vem 70 e pronto. Daí pra frente minha cabeça ficou ruim de acompanhar. Mas eu sofro muito com isso. Sofro um sofrimento de verdade, de dor, de angústia, qualquer coisa no peito mesmo, que me abafa e traz vontade de choro. Um sofrer de querer viver naquela época, acho bobeira falar, meio clichê pra qualquer jovem descolado da minha idade, mas eu sofro, juro.
Eu, que estava ligada em astros naquela noite, e com a música, pensei que esse fenômeno da cultura hippie e cultural e etc, que houve, deve ocorrer em vários planetas de tempos em tempos, deve fazer parte da história-revolução-evolução de todos eles. Pensei em reza, disse pra ela que de tamanha angústia eu ia rezar naquela noite. Queria viver qualquer coisa dessas em outro planeta que fosse, em outra vida, carne, encarnação. Ia querer conhecer o Caetano de lá. Se fosse em outros tempos, eu sei que eu canto mal, mas podíamos nos conhecer por qualquer coisa e aí iria haver tanto cabelo trançado, tanta perna, coisa toda. Vou aguardar outra vida.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Memória

Eu permaneci na tentativa de decorar.
Eu permaneci na tentativa de decorar.
Estou decorando. De cor. De coração. Decoração.

A casa está indo embora junto com quem foi. Eu permaneci tentando buscar e tentando registrar a posição de tudo, o cheiro, o tempo que fazia naquela última tarde. A posição, os quadros.Eu carreguei um quadro. Eu lembrei que antes, ainda quando menina eu gostava de entrar pelo portão lateral: havia uma chave escondida, que todos sabiam que havia, ao alcance das mãos. Meu crescimento foi medido, para mim, à medida que eu conseguia ou não alcançar a chave escondida do portão que dava no corredor. Ontem na memória vi que em seguida do corredor ficava um cercado do antigo cão, foi desfeito, mas eu tinha medo e desejo de passar por ali. Seguiam as plantas e esse corredor parecia maior quando eu seguia na barra da saia da preta que cuidava da casa, todas as manhãs, na lavagem da ardósia. Dentro de casa eu lembrei da minha mania de achar que me perdia por tantas portas e corredores que se encontravam em voltas e voltas, eu gostava de dar voltas. Tinha o canto da máquina de costura, onde eu sempre ficava nos pés da Nina, minha avó, catando pedaço de linha e qualquer coisa que caísse e ia servir pra montar meu mundo. Depois vinha a sala de dentro e a sala de fora. As janelas. Eu, morando em apartamento, achava uma coisa linda ficar em uma janela de casa mesmo, que dava pra rua, pra ver gente, janela de madeira, que abre e fecha em folhas e tem vidros em quadrados.
Hoje a casa ficou pequena, eu fiquei grande, alcanço a luz da sala de estar e dou muita conta de pegar a chave escondida do portãozinho de fora do corredor. Mas não há mais chave, nem vó, nem vô, nem porquê. Só há a minha tentativa em memorizar tudo e deixar aqui escrito, contando com a compreensão do leitor.Porque isso é só um registro pra que eu não perca o que eu vi por todos esses anos.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Impressões (de novo)

Eu vi uma mulher do cabelo abóbora.
Enquanto eu procurava sardinhas no rosto dela, embora ainda de longe visto que eu estava sentada,ela se equilibrava no vagão do metrô.
Eu vi uma mulher do cabelo abóbora e, enquanto eu procurava sardinhas no rosto dela, ela olhava vidrada a tela do telemóvel.

Eu vi uma mulher do cabelo abóbora e, enquanto eu procurava sardinhas no rosto dela, ela sorriu para o telemóvel.

Aposto que isso é coisa de quem tem amor.

domingo, 16 de outubro de 2011

saudade só.

Querido P.

Acordei com a coluna do Caetano no jornal O Globo falando sobre o novo filme do Almodóvar. O caso Espanha-Brasil e as músicas brasileiras sempre tão bem habitadas nos filmes de Pedro, sua relação com o Brasil, e um etc que não me importa. O fato é que não sei se por isso ou se por fazer um sol tremendo por aqui, mas acordei com uma saudade danada de uma Espanha que nem sabe o que significa a palavra - aposto que só a palavra - saudade. Acordei com uma falta de querer ouvi-los falar "Me encanta. Muito me encanta." em um espanhol carregadíssimo. É uma coisa linda de ouvir. Uma saudade só dos terraços cor de laranja de Madri e das ruelas de Barcelona. Decidi que quero te levar a Espanha, P.

Um beijo, saudade.

Preta.

Dia de estufa

O dia acordou quente em Copacabana. Quente sem sol. Nublado, abafado. Um dia que o dia tá de mau humor em plena sexta, um dia que o dia tá de saco cheio.
O dia acordou abafado em Copacabana, de um jeito denso que, logo cedo, parecia que enquanto eu andava, as nuvens estavam cá pertinho da minha cabeça, me sufocando sem dó. Dia insuportável. Na chegada a Central do Brasil eu vi muita gente desembarcando. Três escadas rolantes cheinhas e mais uma porção esperando pra subir o degrau. Na volta eu vi muita gente embarcando, toda aquela gente toda de mais cedo. Gente me sufoca como nuvem em dia denso.
Só me deu vontade de escrever porque eu pensei nesse verso quando parei pra pensar o dia: O dia acordou quente em Copacabana.
Hoje eu cheguei a Barra Mansa. Aqui também tá quente. Eu gosto daqui, mas tenho achado muito feio, como não percebia antes. Desculpa.
No meu quarto aqui, eu vejo uma porção de frases que escrevi um dia na parede. Ali vejo um pouco do que fui: alguém com mais versos do que falar sobre o tempo. Falava de poesia que desaba por dentro, falava de que não seria nada, falava qualquer coisa de sonho, de verso, de gente. Hoje falo de tempo.
E falar do tempo é falta de assunto.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

(...)achei que ficava bonito passar a falar que as coisas me encantavam em vez de dizer que simplesmente gostava delas.

Eu conheci Elisa em uma viagem de excursão que fazia pra Stonehenge e Bath em uma estadia a trabalho em Londres. O ônibus saiu bem cedo e a mulher que se sentou ao meu lado não parava de falar em um espanhol carregado competindo com o inglês insistente da guia de turismo,a Rose. Rose gostava de distribuir auto-guias, uma espécie de walk-talk ou celular que devíamos seguir pendurados na gente pra ouvir as informações do lugar. Rose também tinha o costume de andar com uma sombrinha cor de rosa levantada pra que não a perdêssemos no meio das outras excursões. Eu queria me perder de Rose e a companhia da mulher do lado com seu espanhol carregado não me faria mal. Ela se apresentou como Elisa e eu já havia me encantado por ela antes de ela dizer que era cineasta-em-início-de-carreira-só-com-alguns-curtas. Elisa tinha o hábito que eu não sei se vai pro resto da Espanha de falar "me encanta" pra tudo que gostava. Não sei qual a tradução da expressão, só sei que levando pro português, achei que ficava bonito passar a falar que as coisas me encantavam em vez de dizer que simplesmente gostava delas. Eu conheci Elisa em uma excursão que saía cedo do centro de Londres e que havia sido conseguida pra mim pelo homem de barba do hotel. Elisa então passou a ser uma boa companhia no passeio daquele meu dia de folga em Londres, ela também estava sozinha e parecia querer falar tudo o que havia guardado na sua viagem em solidão. Eu tentava ocupar minha boca acendendo cigarros, nos lugares em que eram permitidos, pra tentar disfarçar, como se eu não falasse porque estava tragando, mas tenho certeza que minha quietude não incomodava Elisa, na verdade, eu disfarçava de mim pra mim. Na volta, já estava tarde e chovia frio, foi então que Elisa me convidou pra tomar alguma coisa no bar do seu hotel e eu acabei passando a noite lá.
Desde então minha viagem virou a viagem de Elisa. Eu fui tomado por querer ser, por aquele jeito dela que me evitava a fadiga de planejar coisas e tomar decisões. Elisa era por toda resolvida e parecia ter certeza de tudo no mundo, podendo tomar todas as providências necessárias em todas as ocasiões.
Em Paris, em uma tarde no D'Orsay, Elisa chegou a me dizer que eu tinha os olhos das telas de Renoir. Um olhar marcado, mas distante, meio perdido ou coisa assim. O engraçado, e que eu não contei pra Elisa, é que em minhas aulas na Faculdade de Belas Artes, eu sempre havia me perguntado pra onde é que olhavam as mulheres de Renoir. Eu não contei, porque ela não entenderia, ela não gostava de subjetividades, gostava de certezas, Elisa era toda certa.
Depois de um mês de uma viagem que não era a minha, Elisa me disse que tinha acabado seu dinheiro e seu tempo e que voltaria pra Madri dali há dois dias para rever seu noivo.Confesso que levei um pouco de susto no momento, mas depois da partida de Elisa e mais 3 dias sobrevivendo com algumas garrafas de Gin, eu voltei pro Rio.
Eu nunca mais soube ou lembrei de Elisa, a não ser hoje, quando ouvi uma adolescente morena soprar esse nome no metrô: Elisa.

domingo, 7 de agosto de 2011

Peixe pássaro

Um dia fui parar em uma casa em que havia uma piscina verde.
Esta piscina possuia um teto solar, um vidro em um teto muito lá pra cima. O lugar tinha um pé direito muito alto e enquadrava o céu no vidro como um quadro minimalista.
Um dia eu fui parar nessa casa como hóspede, e comecei a cultivar um prazer quase místico em nadar à noite na piscina verde.
Eu sempre preferi praia, mas aquela piscina possuia qualquer coisa que atrai os olhos.
Foi uma vez que nadando à noite eu sem querer olhei pro teto e vi o que se formava. Meu corpo magro e limpo nadando naquela piscina verde de ladrilhos bem colocados formavam uma cena linda. Eu boiava de barriga pra cima, balançava os braços como um polvo, nadava e me mexia de um lado pra outro. Eu era narcisista naquela piscina. Eu gostava de tomar um impulso e ver meu corpo se largando na água, solto. Eu era um pássaro, eu me via no céu. Eu estava ali, refletida no céu, e voava. Foi uma das cenas mais lindas que já vi acontecer. O meu corpo parecia mais magro depois de toda aquela viagem que terminou como hóspede daquela casa da piscina verde, minhas costelas saltavam, e eu achava tudo isso verdadeiramente bonito. Eu estava no céu.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

tormento

Porque eu via de novo aquele casal eu deveria escrever sobre ele.
De novo os dois. Quando eu os vi pela primeira vez, ela linda com um sotaque nordestino quente chamando ele de alguma dessas frutas exóticas. Ele muito bem portado como macho, forte sem ser forte, forte no jeito e no olhar e nas mãos. Eu gostei deles de um jeito que parecia que eu já os tinha visto, em algum lugar de mim, de imaginação, de personagem. Eu quis escrevê-los, mas desisti por não querer só citar a cena do elevador. Os dois muito quentes em um julho de copacabana com vento. Os dois tinham uma energia sexual muito forte pra caber dentro daquele elevador comigo, e isso chegava a me incomodar. Incomodava de um jeito que eu precisava escrever sobre o tom do sotaque dela quando abria uma boca muito grande e bem formada pra chamá-lo de uma fruta bonita do nordeste que já nem me lembro, e também sobre o jeito forte dele, eu já disse, das mãos. Mas eu desisti de escrevê-los, tão bonitos que eram, deviam ser desenhados, não escritos. Até que eu os vi de novo, com mais um. Falavam de teatro, atriz, de certo eram artistas. Abaixando os olhos, ouvia a conversa mais confortável com a minha roupa mais informal dessa vez. Queria lhes contar que eu também queria ser artista e que eu também era bonita com meu par no elevador, embora não tivesse sotaque.

sábado, 9 de julho de 2011

No momento em que você foi embora, dessa vez, fui eu que te olhei da janela. Foi quando você foi. No momento em que eu me dei conta e não vi mais jeito de te absorver, eu fui pra janela e te vi indo. Eu vi também o último cigarro que você acendeu antes de ir,ainda se apagando com o vento que ventava forte naquela tarde em Copacabana. Foi nele que eu grudei, foi com ele que eu achei que ia te absorver de novo. Foi ele que espremi em minha mão com toda força e depois soltei. Cheirei minhas mãos pra lembrar do cheiro das suas, de cigarro. Senti você bem perto, embora eu te visse cruzar a Nossa Senhora com uma blusa amarela do dia do primeiro beijo.
Não escondo que chorei naquela janela, enquanto espremia o cigarro ainda morno nas mãos.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Às vezes me dá uma saudade de mim.
Um mim que eu não sei mais onde mora, ou que se esqueceu.
Uma saudade qualquer que dá quando a gente vê alguém que parece com o que pensei que a gente fosse ser quando crescer.
Eu cresci, e tô com uma saudade de mim.
Saudade de quem era um pouco da gente, de quem foi embora sem ir, de quem prometeu ficar pra sempre.
Saudade de uns amigos que...saudade!
De qualquer coisa-símbolo-isabela eu tenho saudade.Qualquer coisa que tenha a minha cara, de qualquer cara,
de ter uma cara.
Por vezes tenho o estranhamento comigo, não sei quem é que agora mora aqui.
Queria uma volta qualquer de mim.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O que tenho pra mim é que as pontas dos dedos da minha avó, em sua palma, já tinham a forma dos meus, na medida em que eu gostava de pressioná-los.

Ela não tinha muito o que ver com minha avó.
Tinha os dedos a fazer lembrar.
Sentada ao meu lado no ônibus de ida, ela ligeira não demorou em preguiça de chochilo ou essas coisas, tirou de uma sacola retalhos de pano.
Retalhos que não por assim serem eram de qualquer medida. Na verdade, eram cortados em rodelas como quem vai fazer fuxico, mas dali saiam outras coisas que não sei bem pra quê.
Eu sei que ela tinhas aqueles dedos.Na verdade não os dedos, porque os dedos da minha vó, tenho pra mim que não acho mais. Eram dedos que lembro bem a forma como se encaixavam ao se encostarem nos meus. Eu lembro muito bem dos dedos das mãos da minha vó para descrevê-los. Nasciam grossos da palma e assim vinham até que na ponta se formavam de um jeito quadrado, como que um calo, um joanete, não sei. Mas o que me marca mesmo é a superfície das palmas dos dedos. Delícia. Às segundas que ficava com ela até mais tarde, me lembro dessa superfície lisa meio plástica apertando contra meus dedos. O que tenho pra mim é que as pontas dos dedos da minha avó, em sua palma, já tinham a forma dos meus, na medida em que eu gostava de pressioná-los.
Mas voltando à mulher do ônibus de ida, não eram os dedos, mas a forma de passá-los no tecido. Ela tinha um cuidado medicinal na forma com que dobrava as rodelas, alisava a meia lua formada e passava a linha.
Eu não sei quem era aquela mulher, ela não parecia a minha avó, eu não sei se os dedos pareciam, também não sei da forma de passar. Talvez nem tivessem tecidos, ou dedos, ou jeito, ou mulher no ônibus de ida.
Eu é que estou com saudade dos dedos, da vó, do beijo que a vó mandava com um dedo só.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Idealizar é imaginar como será lembrar de um momento que ainda não vivi.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ponha uma margarida na sua fossa.

Sinto que preciso de uma alegria independente.Independente de qualquer coisa.
Sinto, mas não que eu seja privilegiada em dever ter.Acredito que qualquer pessoa deveria carregar em si uma alegria que não seja difícil e que não precise ser clandestina por vezes.
Sinto, porque preciso de uma alegria independente.Independente de qualquer coisa.

sábado, 16 de abril de 2011

De bem

Acordei achando que estou na hora de voltar.
Voltar a qualquer coisa que sinto vir do meu corpo.
Um jeito meio bailarina, meio flor, meio leve.
Acordei achando que estou na hora de voltar pra um lugar de mim,
uma calma qualquer, uma menina de antes.
Quero uma respiração leve e tranqüila, um jeito de andar quieto de quem dança,
uma vida meio primavera.
Acordei achando que estou na hora de voltar pra mim.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dos delitos e das penas

Esta noite sonhei que estava nadando em uma piscina de palavras.
Na água, havia uma correnteza muito forte de certas palavras e outras que passavam leve, a lamber meu corpo feito um gato que se lambe como banho.
Além de me puxarem, as palavras ecoavam misturadas todas na minha cabeça, feito um brainstorming, feito um burburinho no vagão das seis.
E depois de tanto me aloprar em um desatino completo que me deixava tonta enquanto nadava, fui como que criando membranas, fui virando um peixe em plena piscina.
De repente, quando já me habituava à minha nova condição, o ralo sugou toda a água, e as palavras, e os sons, e eu morri afogada de ar, a palo seco.

terça-feira, 29 de março de 2011

Sou como o cego de nascença: vivo um mundo inventado.

sábado, 19 de março de 2011

realidade

Sinto o fio da vida muito latente enquanto observo a morte gradual dos meus avós.
No começo,a presença do fim se mostrava quieta em detalhes de debilidade, de esquecimentos e de dificuldades antes não observadas.
Hoje observo a chegada do fim dando passos largos, o que me aflige, assusta e deprime em relação à vida. A progressão, ou regressão, que conduz ao último instante é triste para quem convive.
Hoje pedi ao meu avô se poderia apertá-lo muito e apertei. Sigo assim tentando segura-los um pouco mais ou imaginando sempre que o instante presente pode ser o último.
Nesse contexto não tenho reconhecido determinados atos meus de impaciência e irritação em relação a tudo no mundo. Chego a me estranhar em meu próprio corpo por ímpetos de mau humor e de grosseria não tão normais. Não tenho a tentativa de justificar nada, apenas me vejo muito desequilibrada e desacreditada com 20 e poucos anos.Sigo com uma responsabilidade de sempre ter demonstrado ser uma pessoa equilibrada e alegre que agora está do avesso. Sei que a vida pode ser bem mais leve para uma garota que mora na melhor cidade da América do Sul, e eu espero reconhecer.

terça-feira, 15 de março de 2011

Rush

Tudo parece perdido e é quando redescubro uma magia em mim, que vem da vontade de olhar muitas caras diferentes atravessando a rua ao mesmo tempo, e pra isso cantar uma música, e assim fazer um filme.
A graça ainda vem de achar graça de que no meio de tudo isso,
ninguém me notará sorrir.

As cidades invisíveis

"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço"

(Italo Calvino)

quarta-feira, 2 de março de 2011

À medida que envelheço, saio do antigo mundo das ideologias e utopias e entro em um ciclo de ilusões perdidas.
Os desejos passam a ser frustrados e me deparo com minha incapacidade natural (só percebida depois dos vinte).
Começo a notar a verdadeira realidade e me confesso assustada com o quanto é difícil atingir, não só a felicidade, como o estado de coração tranquilo.
Envelhecendo, percebo que a felicidade não existe e que a alegria sim existe, sendo a felicidade em pequenas difíceis doses.
Encontro a vida como sendo uma tragetória que devo seguir enquanto existo, mas que é permeada de pequenos e grandes problemas.
Pode ser que esse seja um momento de amadurecimento que me leve a qualquer coisa melhor, mas também pode ser o momento em que descubro a realidade da vida e que sim, ela não passe de tudo isso só.
Aí então, é quando alimento um medo de endurecer ao envelhecer.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Porque estavam nus, e havia tanta beleza em assim estarem que eu também não via razão deles se cobrirem.
Havia uma magreza certa nos corpos, como se aqueles fossem os retratos exatos da primeira anatomia humana. E de repente eu via Adão e Eva e nenhum pecado, pois que não via coisa nenhuma de sexualidade comum no local.
Estavam nus porque assim viviam e assim havia de ser bonito. E estavam bonitos porque estavam nus, como se a sensualidade ficasse velada em alguma coisa desconhecida pelos que se cobrem na tentativa de despertar o outro ao se descobrir.
Estavam nus porque viam que havia alguma outra forma de seduzir além do corpo. Corpo esse tão cru, tão sem vida se for dado só como corpo.
Porque estavam nus, e havia tanta beleza em assim estarem que eu também não via razão deles se cobrirem.

Quanto a nós, precisamos nos des(cobrir), meu bem.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Angústia

É muito difícil chorar em público.
Não é difícil chorar em público depois das nove na Central do Brasil.
Depois das nove na Central do Brasil as pessoas não se olham.
Ninguém ouve meu choro aqui em Copacabana.
Desde que me mudei para o Rio de Janeiro, peguei o hábito de chorar em público. Não é difícil.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

De quem morre

Ainda posso me lembrar daquele rosto e daquele jeito.
Havia alguma coisa naquele corpo que retardava o pensamento de quem pudesse enxergar. Eu poderia bem dizer que era o cabelo que diferia dos demais do lugar, mas acho que isso seria egoísmo demais com a figura, resumi-la em um gesto de cabelo.
Quando a conheci, ainda nova já era velha. Tinha uma maturidade por si, o que me faz crer que ela já tenha nascido com esse algo e não que tenha adquirido de qualquer gente do lugar, porque de fato ela era diferente.
Posso me lembrar daquele rosto jovem e da presença de como não sabia que era bela.Do jeito que se vendia pelos cantos meio alienada, não sabia que se vendia, embora buscasse por dinheiro. Eu a vi muitos anos depois no saguão de um lugar público e a reconheci. Ela já havia morrido nesse tempo, tinha cara de morta, mas eu ainda a achava linda, na verdade a achava ainda mais linda porque agora aquele rosto e aquele corpo estavam cravados de histórias. Eu pude ver em cada gesto uma mudança da vida naquele jeito.Eu pude ver uma porção de histórias escorrendo pelos olhos e depois envolvendo a boca longe de sorrir. Ela parecia ter morrido antes do fim, mas ainda era bela, ainda mais bela.
Hoje, por me lembrar dela, levantei ainda com dificuldade e achei sua foto nos guardados. Acho que ela poderia ficar tranqüila agora, pois a coloquei pra dormir entre os meus poemas.É pra eles poderem conversar à noite, enquanto eu morro.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

E nesses dias de verão em que brigo com você à noite (ainda que de longe), acordo errada.
Acordo errada e desejando uma casa com você,onde toque Caetano aos domingos de manhã.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sobre o ano que chega:

Adoro essa possibilidade de organizar minha esperança cronologicamente, como se fosse possível acordar em uma dia e tudo estar diferente. Não me importo, eu acredito.

Desejo pra mim e pra você um ano mágico.
É que acho que todos nós estamos precisando de magia nessa vida...
Viva!

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