domingo, 26 de dezembro de 2010

a Lapa do homem de Marília.

Eu era um homem recém feito quando Marília me tomou pela mão e foi me mostrar a Lapa. Menino meio abobado que era, me via nos braços de uma mulher pela primeira vez, e eu ainda me via meio zonzo sem entender coisa com gesto.
Entendi a vida quando Marília meio de brincadeira me colocou dependurado no bonde de Santa Teresa.E eu daquele jeito de menino tonto, que vinha do interior.
Entendi a vida quando o bonde passou por de cima da Lapa.
Vi as casas e dentro delas : as pretas, os peitos, as crianças, as cores. Entendi gente.
Dava pra sentir o cheiro do perfume da mulher na janela da criança que deixava por escorrer um catarro do nariz ali embaixo da marquise pra quem quer deitar.
Ouvi cada chiado de rádio dentro da janela do homem que fumava lentamente enquanto suavam as bicas dos seus poros muito dilatados.Mas pude ouvir o arranhar dos saltos de quem andava na calçada lá embaixo e o tilintar de qualquer coisa feito chave ou feito moeda no bolso do rapaz trabalhador. Senti cheiro de sexo e cheiro de pudor.
Foi ali que vi a vida pela primeira vez , crua.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010




Por vezes fico possuída de uma tristeza.
Uma tristeza que seria quase bonita, se tristeza não fosse.
Entender o mundo me dói.
Me sinto abatida por essa tristeza quando, não sei de que modo,
essa tristeza de mundo me toma.
Entendo a existência até as vísceras e isso me complica. Percebo a gente que vive e a gente que existe, percebo e sinto e quase choro.
Quando sinto a vida, e quando entendo a vida, sinto uma dor todinha por dentro.
Viver dói.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

profissão poetIsa

O que eu gosto é de ordenar as palavras (que moram soltas entre as nuvens)
em versos que fazem sorriso e pensamento.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Eu ainda não sei.
Talvez eu devesse estar mais disposta, mais ativa, com mais vontade, com mais vontade boa e do coração.
Acho que eu deveria estar buscando qualquer coisa que se busca.Qualquer coisa que vejo todo o mundo buscar.Qualquer coisa que se fala que se deve buscar.
Eu deveria estar mais encantada e querendo mais. Eu deveria parar de falar e mais, eu deveria parar de escrever tanto que deveria.
Deveria atuar de uma vez.Atuar no sentido mais amplo de qualquer ação que não seja a de pensar e desenhar esses pensamentos em palavras.
Mas eu poderia dizer que estou cansada, que estou...
Mas não há nada.
Eu apenas estou esperando. Não sei o que espero e talvez eu espere apenas saber o que espero de tudo isso.Estou parada e pregada, sempre imersa em mil pensamentos que nem sempre fazem sentido, e que na maioria das vezes não faz.Estou aqui e escrevo coisas que não vão mudar nada, que não vão atuar no mundo inteiro e nem no meu e nem no de ninguém. Estou aqui inutilmente e escrevo sem saber a razão.Eu ainda não sei.Espero que não haja mal em não se saber ser.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Eu era um homem casado, sério e funcionário público quando conheci Dora.
Sempre que entro em uma crise profunda, vejo que dou pra entrar em lugares sem sentido, o que me constrange muito quando me vejo em alguma loja que não sei como entrei e, enfim, um vendedor vem me atender,e eu sempre tenho que inventar coisa.
Foi em uma dessas crises que conheci Dora.
Dora mora, não sei desde quando, perto da minha casa aqui no Rio de Janeiro, e eu estava voltando do trabalho quando a vi.
Desde que vi aquela mulher de olhos meio marejados de quem está sempre esperando, cabelos meio desalinhados e um rosto que não tem porquê,comecei a desviar a minha crise para aquele pingente de coração que ela carregava.
No trabalho, pegava-me com os olhos em uma loja longe em Copacabana, onde via Dora.Ninguém questionava minha distração momentânea que já era habitual.
Em casa, a mulher deu pra falar que não agüenta mais essa minha mania de dar crise de identidade e sair do mundo.Ameaçou separação, levar os filhos, voltar pra casa da mãe, e eu até ouvia mas,sinceramente, não conseguia reagir.Um dia cheguei em casa e não tinha mais ninguém.Talvez fosse a hora de trazer Dora pra junto de mim, pra ver se calava essa agonia de quem chega do trabalho de funcionário público.
Quando cheguei ao antiquário que havia conhecido Dora,ela não estava mais pendurada na parede.Ainda perguntei ao vendedor onde estava aquele quadro de pintura artística de uma mulher de olhos meio marejados de quem está sempre esperando, cabelos meio desalinhados e um rosto que não tem porquê, aquele quadro que fica perto do móvel provençal...
Vendido.
Eu deveria ter levado antes,mostrado à mulher, às crianças...
Mas como um homem casado, sério e funcionário público poderia levar Dora, uma pintura artística pela qual tinha se apaixonado pra casa?
Desde então vivo só.

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