quarta-feira, 10 de agosto de 2011

(...)achei que ficava bonito passar a falar que as coisas me encantavam em vez de dizer que simplesmente gostava delas.

Eu conheci Elisa em uma viagem de excursão que fazia pra Stonehenge e Bath em uma estadia a trabalho em Londres. O ônibus saiu bem cedo e a mulher que se sentou ao meu lado não parava de falar em um espanhol carregado competindo com o inglês insistente da guia de turismo,a Rose. Rose gostava de distribuir auto-guias, uma espécie de walk-talk ou celular que devíamos seguir pendurados na gente pra ouvir as informações do lugar. Rose também tinha o costume de andar com uma sombrinha cor de rosa levantada pra que não a perdêssemos no meio das outras excursões. Eu queria me perder de Rose e a companhia da mulher do lado com seu espanhol carregado não me faria mal. Ela se apresentou como Elisa e eu já havia me encantado por ela antes de ela dizer que era cineasta-em-início-de-carreira-só-com-alguns-curtas. Elisa tinha o hábito que eu não sei se vai pro resto da Espanha de falar "me encanta" pra tudo que gostava. Não sei qual a tradução da expressão, só sei que levando pro português, achei que ficava bonito passar a falar que as coisas me encantavam em vez de dizer que simplesmente gostava delas. Eu conheci Elisa em uma excursão que saía cedo do centro de Londres e que havia sido conseguida pra mim pelo homem de barba do hotel. Elisa então passou a ser uma boa companhia no passeio daquele meu dia de folga em Londres, ela também estava sozinha e parecia querer falar tudo o que havia guardado na sua viagem em solidão. Eu tentava ocupar minha boca acendendo cigarros, nos lugares em que eram permitidos, pra tentar disfarçar, como se eu não falasse porque estava tragando, mas tenho certeza que minha quietude não incomodava Elisa, na verdade, eu disfarçava de mim pra mim. Na volta, já estava tarde e chovia frio, foi então que Elisa me convidou pra tomar alguma coisa no bar do seu hotel e eu acabei passando a noite lá.
Desde então minha viagem virou a viagem de Elisa. Eu fui tomado por querer ser, por aquele jeito dela que me evitava a fadiga de planejar coisas e tomar decisões. Elisa era por toda resolvida e parecia ter certeza de tudo no mundo, podendo tomar todas as providências necessárias em todas as ocasiões.
Em Paris, em uma tarde no D'Orsay, Elisa chegou a me dizer que eu tinha os olhos das telas de Renoir. Um olhar marcado, mas distante, meio perdido ou coisa assim. O engraçado, e que eu não contei pra Elisa, é que em minhas aulas na Faculdade de Belas Artes, eu sempre havia me perguntado pra onde é que olhavam as mulheres de Renoir. Eu não contei, porque ela não entenderia, ela não gostava de subjetividades, gostava de certezas, Elisa era toda certa.
Depois de um mês de uma viagem que não era a minha, Elisa me disse que tinha acabado seu dinheiro e seu tempo e que voltaria pra Madri dali há dois dias para rever seu noivo.Confesso que levei um pouco de susto no momento, mas depois da partida de Elisa e mais 3 dias sobrevivendo com algumas garrafas de Gin, eu voltei pro Rio.
Eu nunca mais soube ou lembrei de Elisa, a não ser hoje, quando ouvi uma adolescente morena soprar esse nome no metrô: Elisa.

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