quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

De quem morre

Ainda posso me lembrar daquele rosto e daquele jeito.
Havia alguma coisa naquele corpo que retardava o pensamento de quem pudesse enxergar. Eu poderia bem dizer que era o cabelo que diferia dos demais do lugar, mas acho que isso seria egoísmo demais com a figura, resumi-la em um gesto de cabelo.
Quando a conheci, ainda nova já era velha. Tinha uma maturidade por si, o que me faz crer que ela já tenha nascido com esse algo e não que tenha adquirido de qualquer gente do lugar, porque de fato ela era diferente.
Posso me lembrar daquele rosto jovem e da presença de como não sabia que era bela.Do jeito que se vendia pelos cantos meio alienada, não sabia que se vendia, embora buscasse por dinheiro. Eu a vi muitos anos depois no saguão de um lugar público e a reconheci. Ela já havia morrido nesse tempo, tinha cara de morta, mas eu ainda a achava linda, na verdade a achava ainda mais linda porque agora aquele rosto e aquele corpo estavam cravados de histórias. Eu pude ver em cada gesto uma mudança da vida naquele jeito.Eu pude ver uma porção de histórias escorrendo pelos olhos e depois envolvendo a boca longe de sorrir. Ela parecia ter morrido antes do fim, mas ainda era bela, ainda mais bela.
Hoje, por me lembrar dela, levantei ainda com dificuldade e achei sua foto nos guardados. Acho que ela poderia ficar tranqüila agora, pois a coloquei pra dormir entre os meus poemas.É pra eles poderem conversar à noite, enquanto eu morro.

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