sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Compaixão

Eu já acordei cansada, mas saí cedo. No vagão, eu sempre escolho alguém pra observar e imaginar sua história, mil perdões, cada um com suas manias. Enfim, no vagão eu sempre escolho alguém mas eu não tive muita escolha, tinha uma mulher gorda na minha frente que me chamava a atenção. Não era nem tão gorda assim, nem tão feia, mas estranha, com qualquer urgência na cara. Eu sei que fiquei olhando muito seus traços, porque os olhos pareciam inchados, e imaginei então quando acordasse, fosse eu o marido - ela tinha aliança - e eu levava um susto, coitada. Eu tive pena, tenho muita pena em meu coração, juro. Sou uma pessoa muito dotada de compaixão, por tudo e por todos, chego a ter vontade de chorar. Olhei os seus cabelos crespos desde a raiz, a gordura, os olhos esbugalhados, empapuçados, que percebi não ser inchaço. Pensei se tinha conserto, tomei pelo coração, peguei compaixão na figura. Deixei que ela saltasse na Carioca.
Voltando eu já estava cansada. 12h fora de casa, sexta-feira tem trânsito demais. Eu sentada sozinha com fones e roendo as unhas. Entra a mulher que senta ao meu lado: A gorda da manhã. Eu levei um susto, fiquei algum tempo olhando pra ela. É muita coincidência pra uma Capital. Eu fui indiscreta, fiquei olhando muito de perto, como quem investiga. E começou a tocar uma música do Caetano que me aperta o coração. A música não diz nada de triste, mas sempre me fez pra choro desde a primeira vez que ouvi e senti dor. Começou a tocar, a mulher da manhã do meu lado. Eu sofri muito. Eu queria contar pra ela, lembrar e rir do nosso reencontro. Queria saber como havia sido o dia dela, contar do meu. Contar que eu havia perdido o celular e já havia achado, que havia brigado com meu namorado e já feito as pazes, que tinha me emocionado com um colega do trabalho, que a faculdade andava um saco. E a música não parava de tocar, eu fechava e abria os olhos, um dia ruim, ontem também, ela não me olhava. Eu sofri a música, eu sofri toda a superficialidade a distância e a frieza. Eu chorei todinha por dentro de tanta dor. Eu sofri a Capital do Rio de Janeiro. Eu sofri da Carioca a Cardeal Arcoverde. Sofri a mulher não me dar atenção, a morte do meu vizinho de lado em suícidio. Eu não consigo me lembrar dele e isso ainda me dói. Ainda sofrendo eu me levantei pra ir embora e quando olhei sem querer pro rosto da gorda ela me olhava e sorria pra mim. Ela me reconheceu. A gorda de manhã me reconheceu. Ela levantou a sobracelha e eu li qualquer coisa na sua cara de simpatia. Eu estava mais tranquila agora. Voltava a acreditar na capacidade de se aprofundar das pessoas. Mas eu não contei meu dia.

Seguidores