domingo, 26 de abril de 2009

de bege ao vinho.

Após comunicar delicadamente que queria o divórcio, Carlos fechou a porta, vagarosamente, e levou com ele 30 anos de casamento.
Foi tudo muito civilizado. 35 anos de convivência e ele chegou e disse o que Helena já esperava ouvir, mas não queria.
Eram um casal normal. Uma casa com paredes beges, almoço com a família de cada um, alternadamente, aos domingos. Sem filhos.
30 anos assim. Beges.
Não teve motivo especial para Carlos. Ele só não via muito motivo em continuar ali, sentado ao lado daquela mulher, esperando a morte chegar.
Ela não tinha outra vida. Era escritório da repartição pública.envelopes de papel pardo por todo o dia. casa. boa noite, Carlos. dormir.
Aí, de repente, ela se vira ali.
O apartamente continuava com as paredes beges. Carlos disse que ia pra casa da mãe dele, era melhor assim.
E não teve grito. nem choro. nem insistência
foi tudo no "tá, tá bom. gosto de você, seja feliz"
Mas, por dentro, Helena se sentia pálida, bege, sem sangue, oca.
E ainda estava ali, depois de alguns minutos, ouvindo o ecoar da porta se fechar. Tentando absorver a idéia.
Helena foi em direção ao aparelho de som antigo que tinham, afinal, não tinham o menor costume de ouvir música, a casa de parede bege era muda.
E ela foi, ligou. Pegou um cd dos mais antigos, talvez de quando tenha inventado o cd.
Era tango.
Helena apagou as luzes principais, deixou o ambiente à meia luz.
Helena foi a cozinha, pegou um vinho e uma taça.
Helena foi tirando a roupa vagarosamente e dançando conforme se despia.
Ela tinha descoberto em si a malemolência. Nunca soube que sabia dançar.
Abriu o vinho, começou a beber e girava.
Dançava loucamente. Havia volúpia no ar. Agora parecia que as paredes eram cor de vinho.
Ela via sua silhueta na parede, acompanhava sua sombra sensual.
Qualquer homem era capaz de se apaixonar por aquela sombra deliciosamente linda, caso não visse ser de uma mulher bege, pálida, magrela e desajeitada como Helena.
Naquela parede em que se via, a mulher tinha até curvas,por incrível que isso pareça.
Ela dançava para si, para ver sua sombra e se apaixonar por si.
Passava a mão sobre seu rosto e se descobria bonita.
Ela lambia seus braços, sentia um gosto delicioso no seu corpo.
Bebia o vinho, sozinha e dançando.
Helena havia se apaixonado por uma mulher que dançava sozinha em seu apartamento,nua, no meio da semana, bebendo vinho e se lambendo.

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