domingo, 30 de agosto de 2009

Margarida morava numa terra quente e de tons terra.Lá os dias eram laranja mas, mesmo assim, a vida se passava em preto e branco.
A vegetação parecia gostar de viver e lutava para isso, foi lá que Margarida nasceu, sempre viveu e morreu Margarida.
Margarida surgiu no mundo e tinha esse nome porque a mãe disse que era nome de flor do sul.Era mais uma irmã de oito filhos entre homens e mulheres que foram se perdendo pelo sertão, morrendo de fome, de sede ou de morte morrida que chega de velhice ou de tiro.
Com 12 anos, Margarida foi levada na mão pelo pai pra modo de se casar com Jeremias, um homem feito, filho de Seu Raimundo dono da venda que tava procurando mulher pra casar. Menos um filho, menos uma boca pra ter que dividir a comida e a água e Margarida foi obrigada a casar. Mas não obrigada, porque pra Margarida tanto fazia. Ela não sentia nenhum sentimento mesmo e não sabia o que era sentir.Ela não sabia o que era conversa, não sabia o que ia ser da vida mas também não pensava que não sabia.Sua vida era acordar bem cedo e já quando nascia o sol ia buscar água e fervia e dava banho nos meninos menores e depois a comida e o trato da cabra e até que escurecia e ia dormir. Margarida não sabia muito o porquê que vivia, mas também nunca se perguntou isso. Ela simplesmente vivia o que tinha que ser vivido sem saber a razão de tudo. Não havia perguntas nem questões. Havia um estômago roncando, uma boca seca e uns meninos chorando de leite que não tem em peito de barriga vazia.
E assim Margarida se casou com 12 anos sem saber o que era casar,o porquê de casar e com quem é que casava. Ela simplesmente entendia que ia morar em outra casa pra poder ter comida pros menores. E ela entendia que, à noite, tinha que fechar os olhos e não entender muito bem o que acontecia mas que acontecia.
Até que um dia sua barriga começou a crescer, e Margarida entendeu que ali tinha criança e criança é boca pra dividir comida. Margarida socou a barriga, tomou chá e empurrou, mas o menino não teve modo de descer antes do tempo pra ver se não vingava, e acabou que nasceu depois mesmo, e de uma dor danada.
E mais crianças vieram depois de fechar muitos olhos em muitas noites daquelas que não entendia o que acontecia, mas acontecia.
Era manhã de maio quando Margarida estava na cozinha e um dos seus meninos chegou mostrando a ela um antigo pôster seu de revista com a imagem do Antônio Fagundes todo deformado. A criança malvada de maldade de criança peste tinha feito bigode, barba, dente podre e uns cabelos saindo pela orelha e nariz do ator. Quando Margarida viu aquilo, sentiu dentro de si uma enorme vontade de chorar, ela que nunca chorou porque nunca sentiu, só dor do parto.Veio uma raiva que nem sabia que chamava raiva e uma vontade de bater no menino até que ele não vivesse mais. A criança tinha ferido a única coisa bonita que Margarida tinha na vida:o pôster do Antônio Fagundes. Ela tinha acabado com toda a beleza e o colorido de quem vive em preto e branco apesar de estar em terra laranja e céu azul.
Mas, vendo aquele homem ali todo deformado, ela começou a achar uma graça, uma graça tão grande, uma coisa cheia de graça que se chama engraçada e começou quase a rir. E,quando viu os brincos que o filho tinha feito na orelha do Antônio Fagundes e tudo mais o que havia no desenho, Margarida sentiu uma pressão na barriga e no rosto e começou a rir.
Foi uma gargalhada funda de quem nunca tinha dado um sorriso. E riu tanto, e tanto que sua barriga começou a doer. Seus músculos que nunca tinham sido exercitados pra rir começaram a se distender, dilacerando, rasgando, rompendo. E a sua boca foi se abrindo e seus lábios foram esticando fazendo com que o grande beiço ficasse muito liso e, de tanto abrir a boca que nunca tinha sido aberta pra riso, os lábios começaram a sangrar. E sua barriga que doía e um xixi que começou a descer quente, queimando as pernas de Margarida e se esparramando pelo vestido e parando no chão de cimento batido e queimado. Margarida foi ficando sonâmbula e rindo rindo rindo até morrer.
Margarida não tinha corpo e organismo pra rir e, quando isso aconteceu, ela morreu. De rir.

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