segunda-feira, 26 de abril de 2010

Eu queria mesmo era ser artista
sem nem saber o porquê sou.

domingo, 25 de abril de 2010

E os dias passaram a se passar assim.Preocupava-se em desarrumar a cama para ter que arrumá-la.Comer para abrir o apetite e ter que gastar tempo com a louça.(Por vezes, até chegou a lavar a louça mais de uma vez, na cisma de achar que havia uma mancha, gordura grudada, cheiro estranho.)
Dormia para ter que acordar
e gastar um tempo de reconhecimento da casa.Móveis cheiros lugares.
Ia à cozinha, virava a jarra d’água em um copo.Tomava.Sentava para tomar.Quem senta sozinha em sua própria cozinha para beber apenas um copo d’água? Mas tudo fazia parte da espera.Depois gastava um tempo com o banho, arrumava-se.
A espera:
(Desde que havia discutido e se privado do contato com os vizinhos, além da caixa de supermercado – trinta reais, senhora. Aquele era o contato mais próximo com a função de receptora da linguagem.)
Ela não sabe quando essa espera começou mas, sem sentir, por causa dela, passou a jantar mais cedo.Assim, dava tempo de lavar a louça, ajeitar a manta no sofá e, finalmente, ouvir:
-Boa noite!
Ao ligar a tevê, no jornal.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Alô?
Oi, sou eu.Eu não sei porque tô te ligando.Eu acho que.É que. Já era pra eu ter te ligado há tanto...Eu ando aqui à toa, tenho lembrado de você.Queria saber se está tudo bem, se sua filha continua morando em Portugal e se você continua com aquela saudade toda pela sua neta.Não sei.Acho que queria saber também se você ainda tá trabalhando, se está no mesmo lugar.Talvez eu te faça uma visita.Eu deveria ter feito essa visita há um ano, pra contar as novidades. Eu já mudei e já mudei de novo.De cidade, de faculdade.Não, de curso não.Você nunca me aconselhou no curso, talvez eu devesse ter perguntado.Alô?Você ta aí ainda? É. Queria saber se você ainda compra aqueles saquinhos de amendoim, não pra comer, mas pra ouvir o barulho e lembrar da sua amiga que morreu. Desculpa, mas é que eu nunca consegui esquecer dessa sua história.Ainda lembro dos seus olhos atrás da mesa, contando.Então, eu tô bem.É. Acho que tô sim.Então, vou desligar. Só queria dar um “alô” mesmo. Sei lá. Um oi. Saber se você tava bem e como vai a sua vida.É. Acho que vou desligar então.Beijo, Tcha.Ah, eu queria dizer que você. Você. Que eu gosto de você. Sempre gostei.Acho que.Deve.Deve ser por isso que senti vontade de ligar.Eu acho.É.Então.Então tá.Beijo,tchau!

domingo, 11 de abril de 2010

"os seres humanos me assombram"

A verdade é que há momentos de exaustão.
Surge em mim um cansaço muito grande provocado por sucessivos desapontamentos com a raça humana.
Raça essa, que não deixa de ser bonita, viva, colorida, ativa, interessante. Mas hoje, hoje não.
Hoje estou ainda um pouco intimidada por pessoas. Sinto-me acuada em uma redoma de razão, de várias razões e conceitos rígidos que criei para um abrigo todo meu.
Um abrigo que hipoteticamente me conforta.Não, não conforta.
Estou nutrindo um certo desdém por ser gente.
Por ser. Pelo ser. Pelo humano. Pelo pessoa.
Acho que vivendo, deve ser uma das piores sensações.
Nutrir desdém pela raça humana e ser humana é nutrir desdém por si,
é um soco no espelho.
Mas reconheço que cada decepção tem uma carga de culpa pessoal.Sendo humana, faz-se normal acreditar nos outros, confiar, dar a mão e, dentro disso, cria-se uma expectativa de correspondência sentimental.
Mas sentimento não se mede. Nunca se sabe se as paixões e os amores se equivalem ou,pelo menos, aproximam-se.Nunca vai saber.
Coisas que não existem de forma tangível como o sentimento, ou como a dor não entram em escala de medida.
Cada dor é única, cada sentimento é inédito no mundo metafísico das dores, ou dos sentimentos.
A verdade é que há momentos de exaustão.E esse é o meu.
Assombrada pelo humano, surge em mim um sentimento de me animalizar, de me zoomorfizar.
Trancada em minha mente, esquecer o código da linguagem. Parar de falar, de pensar, de escrever.Viver instintivamente. Sem hipocrisias, sem tentativas de sorriso,
sem ser gente.Ser bicho.

Março

Acho que por conta de estarmos nos falando e nos vendo menos.Acho que por conta da saudade. Acho que por conta da minha falta do que fazer em pleno mês de março.Mas eu não sei mesmo se por conta de tudo isso, porque foi algo que eu sempre gostei de fazer, independente de nossa freqüência, da saudade ou do mês de março.Talvez fosse um modo de eu sentir de forma concreta a força que as coisas tem pra acontecer, quando elas têm que acontecer.Gosto de lembrar a forma que se deu de nos conhecermos e traçar todos os caminhos paralelos, os possíveis caminhos que poderíamos ter feito para não nos encontrarmos naquela rua. Havia tanta coisa pra se fazer naquele dia e, se fôssemos exatamente pro mesmo lugar, não nos conheceríamos.Acho bonita essa coisa de traçar os fios, lembrar as histórias, as falas, as sensações. Eu sou tão repetitiva. Eu não sei por conta de quê caí nesses pensamentos. Eu tava lendo um conto bonito, que achei bonito e que me lembrou você.Não tinha nada a ver com você, mas me lembrou você. Acho que por conta de estarmos nos falando e nos vendo menos.Acho que por conta da saudade. Acho que por conta da minha falta do que fazer em pleno mês de março.Mas eu não sei mesmo se por conta de tudo isso, porque foi algo que eu sempre gostei de fazer, independente de nossa freqüência, da saudade ou do mês de março.

Volta às aulas

Morar sozinha é descobrir que o leite não nasce na geladeira.
Na verdade, ele nem nasce.
Morando sozinha, descobre-se que o leite, na verdade, vem da vaca, que mora em um lugar distante, bem distante da cidade grande,onde predomina o verde, a chamada fazenda.
Na fazenda, há profissionais encarregados de tirar o leite que não é para alimentar os bezerros, mas nós. O leite é tratado com os devidos processos (desconhecidos por mim) para torná-lo "industrializado" e, depois de embalados em saquinhos, caixinhas, latinhas, ele é levado por um caminhão aos supermercados. Lá nos supermercados, eles ficam nas prateleiras para as pessoas que moram sozinhas comprarem, ou os papais, vovós e titias de quem não mora sozinho os encontra e troca pela moeda corrente local. Eles levam o leite para casa e o colocam na geladeira, onde as pessoas que não moram sozinhas vão achar que ele nasce.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

pretérito imperfeito

Com os olhos que se olhou no espelho, sentiu o perfume que borrifava em si.Olhou suas mãos magras e brancas de quem já perdeu o colorido do sol.Sentindo um cansaço ainda de quem fica na cama depois das dez, saiu.
Olhando o sinal que fechava o carro que passava o moço que vestia azul a gravata que combinava a velhinha que atravessava o garoto que pedia esmola (em pleno cartão postal) a mulher que corria o homem que bebia o sol que tostava o garoto que roubava (em pleno cartão postal) a grávida que sorria o corpo que se despia a criança que pulava a onda que batia a mãe que gritava o caminhão que freava o ônibus que atendia.Sentia.Amava.

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