Segundos fiquei, parada.anestesiada.prestando toda a minha atenção no forte cheiro de cigarro que parecia sair de cada poro daquele corpo velho.O cheiro parecia ser de cigarro velho e novo,misturado, amanhecido, um em cima do outro como que pra suprir uma necessidade.Com ou sem café,não sei.Não sei,porque o cheiro forte do cigarro me deixava meio sonâmbula ao meio-dia. Mas era forte e parecia ser tão dominador e extravagante que tinha assim,uma necessidade de sair em odor.Como que transbordando,como se cada poro fosse, para o cigarro, sua válvula de escape naquele imenso container chamado de corpo velho do homem.Mas o cheiro não me incomodava, apenas prendia a minha atenção, com ou sem vento.
O vento que veio, veio do nada e derrubou os livros nas nossas caras, mas isso foi antes de eu vê-lo, e ver o cheiro de cigarro forte que já citei.
Houve uma discussão, eu lembro que houve. Entre mim e ele. Mas eu não sei dizer o que eu disse direito, nem o que ele disse. Algo como Claricenãoépiegas.Nuncaliliteraturafrancesa.leiomaisliteraturabrasileira. Como?
Assim mesmo, com o cheiro ainda tentando me impregnar os cabelos, eu vi a cena. Quando falei de literatura brasileira, ele fez um misto de arrepio, uma ojeriza interessante de se ver, um jeito de se arrepolhar os lábios e apertar os olhos quase como meu irmão quando come maionese.
Eu não sei o que se deu. Agora, relembrando pra poder contar, é como se eu tivesse ficado surda e perdido todos os sentidos quando bateu aquele cheiro. O forte.O do cigarro. Eu só sei que o que se deu foi ele me entregando a sacola verde com os três livros de literatura francesa que eu não havia pagado. As minhas mãos se esticando em um gesto reprovativo ao gesto dele e seu caminho ido. Foi.
E eu ali, no meio do Largo, cheia de razão e meio surda, sonâmbula.Impregnada por uma fumaça de cigarro que nunca se levantou. Eu fiquei parada. Eu e três livros de literatura francesa.