quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Eu era um homem casado, sério e funcionário público quando conheci Dora.
Sempre que entro em uma crise profunda, vejo que dou pra entrar em lugares sem sentido, o que me constrange muito quando me vejo em alguma loja que não sei como entrei e, enfim, um vendedor vem me atender,e eu sempre tenho que inventar coisa.
Foi em uma dessas crises que conheci Dora.
Dora mora, não sei desde quando, perto da minha casa aqui no Rio de Janeiro, e eu estava voltando do trabalho quando a vi.
Desde que vi aquela mulher de olhos meio marejados de quem está sempre esperando, cabelos meio desalinhados e um rosto que não tem porquê,comecei a desviar a minha crise para aquele pingente de coração que ela carregava.
No trabalho, pegava-me com os olhos em uma loja longe em Copacabana, onde via Dora.Ninguém questionava minha distração momentânea que já era habitual.
Em casa, a mulher deu pra falar que não agüenta mais essa minha mania de dar crise de identidade e sair do mundo.Ameaçou separação, levar os filhos, voltar pra casa da mãe, e eu até ouvia mas,sinceramente, não conseguia reagir.Um dia cheguei em casa e não tinha mais ninguém.Talvez fosse a hora de trazer Dora pra junto de mim, pra ver se calava essa agonia de quem chega do trabalho de funcionário público.
Quando cheguei ao antiquário que havia conhecido Dora,ela não estava mais pendurada na parede.Ainda perguntei ao vendedor onde estava aquele quadro de pintura artística de uma mulher de olhos meio marejados de quem está sempre esperando, cabelos meio desalinhados e um rosto que não tem porquê, aquele quadro que fica perto do móvel provençal...
Vendido.
Eu deveria ter levado antes,mostrado à mulher, às crianças...
Mas como um homem casado, sério e funcionário público poderia levar Dora, uma pintura artística pela qual tinha se apaixonado pra casa?
Desde então vivo só.

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