terça-feira, 25 de maio de 2010

Uma menina de olhos livres

Hoje eu a vi lendo um livro.
Eu havia me oferecido para carregar a mochila dela.Ela não aceitou e, logo depois, vagando lugar, sentou-se bem na minha frente. Eu vi quando ela abriu a mochila e pegou o livro. Também já tinha visto seu colete, seu tennis e sua calça com cara de velha. Ela leu um pouco e eu vi que ela sorria enquanto lia.Depois, ela fechou o livro e, juro, ela falou umas três frases sozinha, fazendo caras e bocas. Eu notei também que ela tinha os olhos meio afastados um do outro, ou era o fato dela ser meio estrábica que me dava essa sensação.Eu vi que os olhos dela não iam os dois para o mesmo lugar e comecei a me questionar que tipo de força levava os dois olhos,de todas as pessoas do mundo que não ela,sempre para a mesma direção.
Enquanto eu vigiava os outros olhos do metrô, ela abriu um pote verde redondo, desses que a minha mãe guarda resto de comida,e tirou de lá uns biscoitos. Eu vi o jeito que ela comia. Ela comia muito feiamente.Seu jeito de mastigar não me deixava prestar atenção em mais nada naquele vagão.Comia com uma boca meio mole, parecia que a boca toda ia se desfazer, ia derreter com aqueles biscoitos.Voltando aos olhos,eles iam juntos,ou melhor, não juntos,mas iam se revirando descordenados sem ter a força comum dos outros olhos do vagão, buscando se coordenar com o derretimento da boca, ou não sei.

...Foi quando ela resolveu descer do metrô,e eu decidi que não havia mais ninguém para observar aquele dia, e preferi dormir até chegar na Central.

Mas os olhos, esses continuaram ali, no vagão.Enquanto ela foi embora,eles permaneceram ali,a desfrutar de toda uma liberdade vagabunda que os demais não têm.Eles continuaram ali no sonho de quem dorme com destino.
Olhos livres, libertinos.Cada um pra um lado, com seu destino, com sua vontade e com sua lei.
Livre-arbítrio.

E agora eu confesso,eu invejei os olhos dela.Olhos sem regras.Pareciam se comprazer no fato de serem diferentes, de não terem força alguma agindo sobre eles.Pareciam esnobar e rir ironicamente do resto dos olhos do mundo, todos cartesianos, resignados, andando juntos, quase marchando.

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